Fabiano de Paula foi de zero a 274 em tempo recorde. A unidade de medida, no caso deste morador da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, é o ranking mundial. Número 1 do país com 18 anos, o jovem teve sua evolução no tênis interrompida pelo serviço militar obrigatório. Ficou quase dois anos inteiros sem jogar um torneio e, ainda assim, sem dinheiro ou patrocínio, acreditou na improvável carreira como profissional do tênis e voltou às quadras. Dois anos depois, ainda sem apoio, vive uma rara ascensão e já ocupa o 274º posto na lista da ATP.
Na noite desta terça-feira, De Paula foi a sensação do Jockey Club Brasileiro, sede de um torneio Challenger. Pela primeira vez, jogou no Rio de Janeiro, sua cidade, diante de parentes, amigos e da namorada. Por pouco, não derrotou o experiente Ricardo Mello. Perdeu por 6/7(5), 6/2 e 6/4, mas saiu aplaudido de pé pelo público que viu seu belo e agressivo tênis.
- É uma sensação bem diferente. Já joguei em algumas quadras centrais em lugares diferentes, com torcidas diferentes, mas em casa, com familiares, amigos, é uma sensação diferente, que eu nunca tinha sentido. É muito boa. Eu não senti nervosismo. Tentei correr, jogar. O Ricardo é um excelente jogador, tem bastante experiência e sabe mais como lidar com esses momentos decisivos. Acho que a experiência dele foi o que determinou a vitória.
A gente precisa de patrocínio para que o Fabiano deslanche. Muitas vezes, a gente queria que ele jogasse na Europa, mas acabava indo para Colômbia ou Equador porque era mais barato"
Duda Matos, treinador
De tão improvável, a história de Fabiano é como um conto de fadas. Só teve seu primeiro contato com bolinhas e raquetes de tênis aos 11 anos, quando conseguiu emprego como boleiro no refinado Hotel Intercontinental, em São Conrado, Zona Sul do Rio de Janeiro. Aprendeu os golpes com rapidez surpreendente e, aos 15, já treinava com uma equipe de tenistas que pensavam em tentar o tênis profissional. Aos 18, já ostentava no currículo o posto de número 1 no ranking nacional.
Sua entrada no circuito mundial foi interrompida pela falta de recursos e pelo serviço militar obrigatório. De Paula tinha disputado apenas sete torneios quando precisou largar o tênis, em 2007, para trabalhar e ajudar a família. No ano seguinte, foi convocado pelo Exército. Quando deixou o serviço militar obrigatório, já tinha 20 anos - e estava há 23 meses sem participar de uma competição profissional sequer. A carreira que antes parecia promissora já não soava tão provável. Não havia dinheiro para custear viagens. Fabiano não sabia que rumo tomar. Até que a ajuda apareceu com o técnico Duda Matos, da academia Tennis Route.
- Ele, com certeza, é muito coordenado, muito habilidoso para qualquer esporte. Ele joga futebol muito bem. Você vê que ele tem uma habilidade motora muito grande e um querer, pelas condições dele, também muito grande. Às vezes, alguma coisa técnica que a gente precisa passar para qualquer jogador, algo que normalmente dura de 30 a 90 dias, com ele leva duas semanas. O Fabiano estava meio perdido. Não sabia muito o que fazer. Queria voltar (ao tênis profissional), mas não tinha grana. A gente falou "Vem, vamos começar a fazer um trabalho". E estamos nessa até hoje. Sem patrocínio, mas contando com a ajuda de bastante gente. Ele está começando a colher os frutos depois de dois anos - diz Matos.
A subida de Fabiano no ranking é espantosa. Nos últimos dois anos, foram quatro títulos em torneios da série Future (eventos menores, para tenistas que estão buscando seus primeiros pontos) e outros três vice-campeonatos. O próprio tenista sorri, meio sem jeito, sem encontrar uma explicação para sua ascensão.
- Do zero para 270 em dois anos. Não sei, não sei. Aconteceu muito rápido. Eu nunca iria imaginar que em dois anos eu iria estar em 270 e jogando de igual para igual com um cara (Mello) que já foi 50 do mundo. Foi muito rápido. Nem eu sei.
Até agora, no entanto, a evolução do morador da Rocinha como tenista profissional não foi suficiente para atrair a atenção de empresas do ramo. Quando indagado sobre o interesse de um patrocinador, Fabiano sorri e responde rápido: "Zero!". A ajuda, por enquanto, vem de amigos e empresários que se oferecem para custear passagens aéreas. Os dois maiores "pais" de sua carreira, como diz Duda Matos, são Júlio Mariz e Rogério Melzi.
- Eles fazem tudo que podem, mas ainda não é suficiente para que a gente consiga montar uma programação de acordo com o que o Fabiano deve fazer. Agora a gente precisa ter um patrocínio para que ele consiga deslanchar, montar um calendário e fazer um circuito na Europa - coisa que ele nunca fez. Muitas vezes, este ano, a gente queria jogar na Europa, mas acabava indo para Colômbia ou Equador porque era mais barato. Falta um pouco disso para ele conseguir estar um nível acima - avalia o treinador.
Fonte:Globo Esporte
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