Fim de setembro normalmente tem as quatro divisões do Campeonato Brasileiro chegando à reta final, deixando os regionais no passado. Em apenas um estado o cenário é diferente. No Amapá a competição não terminou, e sequer é possível afirmar como chegará ao fim. O motivo: um dos finalistas do segundo turno não tem mais jogadores para colocar em campo. A história tem ainda acusações de suborno e uma relação estreita entre futebol e política, e o que era para terminar no dia 5 de agosto ainda deve se arrastar por mais algum tempo - e nos tribunais.
A origem da confusão está no atraso do início da Série D do Brasileiro, que fez com que as equipes disputassem uma partida atrás da outra. O Santos-AP, ao chegar à final do returno do seu estadual, protestou contra a maratona que incluiria uma decisão. A Federação Amapaense concordou e demorou a marcar data para o jogo, deixando insatisfeito o outro finalista. O Oratório preocupou-se com a possibilidade de perder seus jogadores, cujos contratos chegariam ao fim em agosto, e recorreu ao TJD-AP para marcar um dia para a final. Conseguiu, mas não deu fim à novela.
O tribunal concedeu liminar marcando a final do segundo turno para o mesmo dia, horário e local de outra partida, entre São José e Ypiranga, pela fase classificatória. O Santos não compareceu ao estádio Glicério Marques, e o Oratório foi impedido de entrar em campo, já que a partida anteriormente marcada foi realizada.
O caso voltou ao TJD-AP, que declarou o Oratório vencedor por W.O. - e consequentemente campeão amapaense, pois já conquistara o primeiro turno. A sessão, no entanto, foi suspensa por causa de tumulto e xingamentos e retomada cinco dias depois. Mas com mudança de resultado. O presidente do tribunal, que dera o voto de minerva (5 a 4) a favor do Oratório, agora decidia pela realização de uma partida para a final do returno. A federação marcou para este sábado - tarde demais para o Oratório, que não possui mais um time.
- Oratório x Santos não era um jogo qualquer. Poderia ser decisão do segundo turno ou do campeonato, já que o Oratório jogava pelo empate. Houve precipitação, radicalismo por parte do presidente do Oratório. A liminar foi dada às 17h do dia 1º para realizar no dia seguinte a decisão. Não tinha nenhuma condição de montar a estrutura para realização do jogo - disse Paulo Rodrigues, vice-presidente da Federação Amapaense.
Acusações de suborno e relação entre política e futebol
Presidente do Oratório, Arlindo Moreira diz que o imbróglio "é coisa muito maior do que a briga entre dois clubes pobres do Amapá". Futebol e política no estado são separados por uma linha tênue. O presidente da Federação Amapaense, Roberto Góes, é prefeito e candidato a reeleição no Macapá. Foi preso no fim de 2010 na Operação Mãos Limpas, feita pela Polícia Federal. O presidente do Santos, Luciano Marba, é dono da empresa LMS Vigilância, que presta serviço para a prefeitura, e o advogado santista, Vicente Cruz, era presidente do São José (que enfrentou o Ypiranga no dia de Oratório x Santos) e é secretário municipal da cidade, na função de presidente da Emdesur (Empresa Municipal de Desenvolvimento e Urbanização). Já o presidente do Oratório também preside a Associação dos Clubes Profissionais do Amapá e por isso tem o poder de indicar dois auditores para representar os clubes no TJD-AP.
Apesar de admitir o laço entre a empresa de Luciano Marba e a prefeitura do Macapá, o advogado Vicente Cruz garante que a relação entre ambos não é amistosa.
- Eu sou mesmo secretário do prefeito, mas o Roberto Góes não tem relação boa com o Marba. Ele é contratado, mas de uma gestão anterior à do prefeito. Eles não têm uma relação muito amistosa, mas no futebol convivem bem. Em relação a empresa e prefeitura, não têm relação boa. O prefeito já retirou a empresa dele, e ele foi reconduzido judicialmente - disse.
De acordo com o dirigente do Oratório, o presidente do TJD mudou seu voto para favorecer o Santos após aceitar suborno de Luciano Marba e Vicente Cruz. E cita data, hora e local de onde teria ocorrido a reunião. Do outro lado, o advogado do Santos retruca e afirma que quem tentou subornar Jair Gomes Sampaio foi Arlindo Moreira, que teria oferecido um cargo na Defensoria Pública do Amapá. Jair disse que declarou em depoimento para a Polícia Civil as investidas do Oratório e garantiu que as recusou.
- O poste está fazendo xixi no cachorro. Eles estão falando isso depois que denunciamos o subornado e o que subornou. Parece que é a maneira deles de se defenderem. Tenho até irmão desempregado, se pudesse empregaria. Não tenho acesso à Defensoria Pública - defendeu-se Arlindo Moreira.
Oratório: barrado do campo e do vestiário no dia da final do returno (Foto: Armindo Rogério)
TJD reconhece erro ao marcar data para a final
Um dos protagonistas da história, o presidente do TJD-AP, Jair Gomes Sampaio, tem participação importante na novela. Primeiro, ao conceder liminar para o Oratório, assumiu o papel da federação e determinou em 1º de agosto que a final seria realizada no dia seguinte. O procurador geral do STJD, Paulo Schmitt, definiu como "um absurdo, ridícula" a postura do TJD de marcar data para a partida.
- No meu entendimento, quando dei a liminar, foi diante de uma omissão da federação. Mas isso foi revisto. Hoje não tenho o mesmo entendimento. Se for dar liminar nesse sentido, vou determinar que a Federação marque o jogo em um prazo de 24 ou 48 horas. Foi uma situação nunca enfrentada no nosso tribunal - disse o presidente do TJD-AP.
Outro ponto polêmico da história em que ele está presente é a mudança de voto na sessão que julgava a final que não foi realizada. Jair afirma que optou por uma nova partida após consultar o departamento jurídico da CBF, que o comunicou que, se o jogo não tinha súmula, não poderia ser declarado o W.O. O presidente do tribunal joga as suspeitas para o lado do Oratório ao afirmar que os dois auditores indicados por Arlindo Moreira estão sendo investigados.
Arlindo diz que o presidente do tribunal mudou sua decisão após receber suborno e reclama que o árbitro foi intimado a enviar um segundo relatório sobre a partida - que, segundo ele, foi escrito por outra pessoa e não foi aceito pelos auditores - para deixar claro se houve ou não súmula.
Amapaense deve ser decidido com W.O.
Santos continua treinando para a final, marcada
para este sábado (Foto: Divulgação)
A data anunciada pela federação para a final do returno é este sábado - e 9 e 13 de outubro para as decisões do campeonato, se necessárias. O Santos, que fez contratos longos com seus jogadores por causa da Série D do Brasileiro, treina normalmente à espera da partida. O Oratório, que tem sob contrato apenas um jogador, com a expectativa de negociá-lo, entrou com um recurso no STJD.
O clube tentou a ação através do TJD-AP, mas encontrou o tribunal de portas fechadas. Entrou em contato com Paulo Schimitt, procurador geral do STJD, perguntando como proceder. Recebeu como resposta que poderia fazer de forma direta.
Schmitt acha que a disputa do Amapaense será mesmo resolvida no STJD, declarando o W.O. a favor do Oratório ou a realização de uma nova partida - o que acarretaria em três vitórias por W.O. a favor do Santos (uma na final do segundo turno e duas na decisão do estadual), já que o seu adversário não possui mais um time para 2012.
- Já vi dezenas de casos como esse, com mil histórias no meio do caminho. São coisas que nosso futebol produz - disse Paulo Schmitt.
Fonte: Globoesporte.com