Aquele velho clichê de que o estádio de futebol é a segunda casa de qualquer torcedor apaixonado foi arrancado pela força da saudade da esfera do senso comum. Virou pura realidade neste domingo, no bairro Azenha, em Porto Alegre. Os minutos que se passaram ao último jogo no Olímpico, o Gre-Nal 394, foram de fincar pé no estádio que diz adeus para dar lugar à Arena. Ninguém quis ir embora. De pé, os tricolores viram uma série de acontecimentos rotineiros e, ao mesmo tempo, especiais. O que aconteceu com a bola do jogo? Por que retiraram a rede das goleiras? Quem foi o último a deixar o local?
O GLOBOESPORTE.COM, então, se permite à pretensão de gravar o domingo em alguns momentos marcantes. Da manhã de despertar no pátio ao anoitecer de puro choro e nostalgia, viveu-se um dia de loucura em azul, preto e branco - mas com decisivas pinceladas do mais encarnado vermelho.
Ativos e sedentários: da corrida ao churrasco
A concentração começou ainda na noite de sábado. Mais de 10 mil gremistas se reuniram para a "Corrida Monumental", uma espécie de maratona que culminava com uma volta final já dentro do estádio, sob as luzes dos refletores e movida a muita emoção. A euforia era tanta que muitos tricolores, ao entrar no Olímpico, se "esqueceram" da competição, parando para tirar as últimas fotos na casa tricolor.
Contra a ansiedade, o jeito foi dormir perto do Olímpico para que as horas corressem mais rapidamente. Cinco barracas foram montadas ainda na noite de sábado, nas quais sete gremistas dormiram na esquina das avenidas Azenha com Erico Verissimo. Dois deles nem iriam ao jogo.
- Não vamos entrar, é sério. Não somos sócios e os poucos ingressos estão na mão de cambistas por preço de pelo menos uns R$ 200 - contou Paulo Freitas, enquanto assava um costelão, espetado ali mesmo, no canteiro da rua, com o amigo Carlos Chitão.
Zagueiro e matador: de Pavilhão a Larry
- É complicado, vivemos aqui sempre. É muito triste. O estádio tem que ser de primeiro mundo, mas é triste. Quando derrubarem, não quero estar aqui. Vou viajar - disse o filho Mauro. Os filhos do lendário zagueiro Airton Pavilhão moram até hoje na Rua José de Alencar, em frente ao estádio, em casa doada pelo Grêmio nos anos 1950. No domingo de despedida do estádio, estenderam uma faixa na frente de casa: “Airton Pavilhão: Eternamente Obrigado“. A homenagem foi feita pelo Grêmio ao lendário zagueiro em 3 de abril de 2012, quando Airton morreu, aos 77 anos.
Do lado colorado, menos emoção, mas muita concentração. Sem chances no Brasileirão, os vermelhos se empenharam em estragar a festa, toda azul antes do jogo. A torcida mostrou que também sabia se mobilizar.
Criativa, levou uma grande faixa com o rosto de Larry, dono de quatro gols no primeiro Gre-Nal do Olímpico, um histórico 6 a 2 para o Inter. Na inscrição, o seu famoso aposto, "cerebral".
Criativa, levou uma grande faixa com o rosto de Larry, dono de quatro gols no primeiro Gre-Nal do Olímpico, um histórico 6 a 2 para o Inter. Na inscrição, o seu famoso aposto, "cerebral".
A bola rolou muito antes das 17h. Durante a manhã, no gramado suplementar, veteranos disputaram amistoso contra time de Campina das Missões. Escalaçao inicial, cheia de vencedores: Mazaropi, Raul, Baidek, Luiz Eduardo e Paulo Matos; Paulo Roberto, Djair, Balduíno e Flávio Roberto; Arilson e Tarciso. Todos, um a um, foram chamados pelo sistema de som e entraram no gramado. Foi mais uma homenagem. Depois, viram o jogo das cadeiras.
Mais veterano ainda, de cabelos e barbas brancos, é João Madalena. Ele tem a mesma rotina há 30 anos: vestir-se de Papai Noel. Em dezembro, claro, não seria diferente. O que mudou foi a cor da roupa. O vermelho deu lugar ao azul para o aposentado de 60 anos estar presente na despedida do Olímpico.
- Ainda não caiu a ficha. Vou perceber o que representa depois do jogo - confidenciou.
André Lima entra no bolo, mas não larga a bola
No entanto, um pouco antes, imperou a confusão. A reclamação pela falta de descontos foi grande. Souza chegou primeiro perto de Heber. Até pegou a bola do juiz e a jogou longe. Ela se ofereceu a quem? André Lima, centroavante, claro. Segura pelo braço esquerdo, foi a companheira dele na pressão ao juiz e no trajeto até o vestiário (assista ao vídeo acima).A partida rolou, os times ficaram no 0 a 0, o Grêmio caiu para terceiro no Brasileirão e o Inter encerrou a temporada um pouco mais motivado. Após o apito final de Heber Roberto Lopes, a torcida chorou. Fez uma avalanche de despedida, replicada em todo o estádio, não só no tradicional espaço da Geral.
- Essa vai ficar guardada na história. É especial, a do último jogo. Vou cuidar dela - disse André Lima.
Àquela altura, o funcionário Everson Souza começou a retirar a rede das traves. Elas serão guardadas e podem até ser usadas na Arena.
E as entrevistas coletivas começavam a dar as explicações dos profissionais. Depois de Osmar Loss, Renan e Rodrigo Moledo falarem do clássico, D'Alessandro ainda se arrumava no vestiário visitante. Uma hora e meia depois dos 90 minutos. Foi buscado por um segurança do Inter para ir embora.
D'Ale não pula da barca e entra no ônibus
D'Ale não pula da barca e entra no ônibus
Mesmo com a emoção oriunda do adeus ao estádio, os gremistas não se esqueceram do sempre algoz D'Alessandro, seis gols em clássicos, sendo três deles no Olímpico. Ao avistarem o argentino embarcando no ônibus vermelho, dispararam a última provocação nos recantos do bairro Azenha, em referência à polêmica declaração do camisa 10 na derrota para a Portuguesa, na última semana:
- D'Alessandro! Pula da barca!
A resposta não veio. Concentrado, o argentino se limitou a seguir o olhar adiante, enfiou o pé no ônibus e resolveu deixar o seu bom futebol como a última recordação sua para o Olímpico.
A mesma seriedade valeu para Damião - só que adicione a isso um pouco de mau humor. O centroavante foi expulso por cotovelada em Saimon, mas, antes, ainda havia levado uma pancada no rosto que lhe abrira o supercílio esquerdo. Sobreviveu ao jogo com uma touca protetora. Com grandes fones de ouvidos amarelos, rumou ao veículo sem dar uma palavra aos microfones. E sem fazer gol em campo.
A mesma seriedade valeu para Damião - só que adicione a isso um pouco de mau humor. O centroavante foi expulso por cotovelada em Saimon, mas, antes, ainda havia levado uma pancada no rosto que lhe abrira o supercílio esquerdo. Sobreviveu ao jogo com uma touca protetora. Com grandes fones de ouvidos amarelos, rumou ao veículo sem dar uma palavra aos microfones. E sem fazer gol em campo.
Moacir da Luz deixa o Olímpico na escuridão
Do lado tricolor, Vanderlei Luxemburgo e André Lima falaram. Ou melhor, se esforçaram para tal. Olhar triste, cabisbaixo, tom melancólico na voz. O técnico até buscou interação com os repórteres. O centroavante, no entanto, só fitava a bancada em que estava sentado, não encarava seus interlocutores. Uma sensação de que o dever não fora cumprido tomou conta do bastidor azul.
Ainda no clima de despedida, sócios e filhos de conselheiros ocuparam o saguão da sala de conferências como nunca o fizeram. No entanto, o alvo não estava direcionado para o conteúdo das entrevistas. Todos eles queriam ter acesso ao corredor que leva ao campo. Mas não havia jeito. O aparato de segurança montado pelo clube e pela Brigada Militar se mostrou intransponível. O gramado ficou restrito aos seus artistas principais.
Os que não precisaram ir aos microfones saíram sem cerimônias, rapidamente. Quem fechou a conta foi o zelador Moacir da Luz, o último a deixar o vestiário, quase às 22h, já com o pátio vazio. É hora de pegar o novo molho de chaves. A Arena vem aí.
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