Bastou perder a decisão das Olimpíadas quando se tinha um melhor time. Bastou a medalha ser de prata, o pódio ser um degrau abaixo ao do México, o sonho dourado ser adiado em no mínimo quatro anos. Após encher-se de esperanças, o torcedor brasileiro sofreu um baque no último 11 de agosto e murchou como a bola da Seleção de Mano Menezes. Mas também bastou pouco menos de um mês para o mercado europeu de transferências provar que a geração canarinho é, sim, mais promissora do que se imagina. É o que mostra o ranking com as maiores negociações da temporada 2012/2013, selado na última quinta-feira depois do fechamento da janela na Rússia. Entre as sete grandes transações estão lá quatro brasileiros:Hulk, Thiago Silva, Lucas e Oscar. E pensar que ainda haveria espaço para Neymar,Leandro Damião, Dedé...
Os jogadores, todos convocados com regularidade, são responsáveis por quebrarem o recorde de 2008/2009, quando Robinho, Daniel Alves, Ronaldinho Gaúcho e Jô somaram € 127,5 milhões envolvidos em suas contratações. O quarteto atual rendeu € 169 milhões (R$ 434 milhões), quase a metade do top-10 (R$ 963 milhões), que contou ainda com as presenças de Eden Hazard, Javi Martínez, Axel Witsel, Robin Van Persie, Luka Modric e Ezequiel Lavezzi (veja abaixo). Em 2011/2012, por exemplo, o brasuca mais caro foi o lateral Danilo, ex-Santos, adquirido pelo Porto por € 13 milhões. De acordo com o TMS (Mercado de Transferências Global, em inglês), regulado pela Fifa, Hulk deixou o mesmo time rumo ao Zenit St. Petersburgo por € 55 milhões (R$ 141 milhões). Mais do que o quádruplo.
Geração de recorde
Os números impressionam mais se levados em conta apenas transações de brasileiros na história. Um top-10 de 2012/13 tem ainda Mário Fernandes(Grêmio para CSKA),Nilmar(Villarreal para Al Rayyan), Diego Souza(Vasco para Al Ittihad), Raffael (Hertha Berlin para Dínamo de Kiev), Romulo (Vasco para Spartak Moscou) e Maicon (Inter de Milão para Manchester City). Todos impulsionaram um aumento no montante para € 221 milhões (R$ 568 milhões) contra € 208 milhões (R$ 532 milhões na cotação presente) do grupo de 2009/10. Na época, nomes como Kaká, Diego e Felipe Melo também estiveram entre os protagonistas do mercado.
- Ao contrário de alguns, acho que as Olimpíadas influenciaram pouco nestes negócios, já que Lucas, Oscar, Hulk e Thiago Silva estavam sendo observados há algum tempo. E não acredito que eles estejam supervalorizados. O que acontece é uma mudança importante na geografia do futebol. Países emergentes estão ganhando peso na economia mundial. E, obviamente pelo fato de o esporte mexer com recursos, o dinheiro para contratações aumenta - disse Fernando Ferreira, especialista em gestão e marketing do esporte e diretor da Pluri Consultoria.
- O jogador de brasileiro mudou de patamar. A grande variável não é nem ele em si, porque houve temporadas em que os valores também foram altos. A diferença é ter dois caras que jogavam aqui dentro (Oscar e Lucas) serem vendidos. Isso que é sensacional, é o grande evento. O Hulk é um jogador que o povo tem certo preconceito, mas é de fácil mercado na Europa. O nome dele era presente em qualquer conversa de negociação top. O mercado mostra o caminho, mostra que o jogador brasileiro coninua valorizando. E talvez dê pista de que nossa geração não seja tão ruim como as pessoas insistem, como se fosse comum. Esses caras têm tudo para fazer enorme sucesso na Europa. Temos razão para sermos otimistas, até com os nossos clubes. Seria bom se eles soubessem aproveitar a onda, ao menos retendo uma boa fatia dos direitos econômicos - completou Fernando.
Jurista especializado em direito esportivo, Marcos Motta é outro que confia em uma nova fase do futebol brasileiro.
- Foi uma retomada. Apesar de ter caído no ranking da Fifa, o Brasil finalmente voltou ao topo da pirâmide da economia do futebol, voltou a comandar as maiores transações. Isso se deve muito à renovação que foi feita na Seleção, embora o mercado tenha respondido mais rápido do que os atletas dentro de campo. Em gerações passadas foram muitos que tiveram problemas de adaptação, mas pela conversa que tenho com esses atletas você vê a mentalidade diferente. Para ser o melhor tem que jogar contra os melhores. Além disso, os clubes também estão começando a mudar sua estratégia de contratação, priorizando jovens realidades. Não tenho dúvidas de que também é um fator que fez essa Seleção se tornar um grande celeiro - opiniou Motta.
Pires bem longe da mão
Há de se ressaltar outras variáveis para que os números fossem atingidos. A principal delas, talvez, passa pelo fortalecimento da economia brasileira. As receitas aumentaram e possibilitaram os clubes a segurarem os seus craques até acharem necessário.
- Existia o momento em que a gente ficava com o pires na mão. Isso está acabando. Qualquer clube médio europeu recorria ao Brasil e levava os destaques com facilidade para fazer a ambientação e aí vender aos grandes. Dificilmente clubes de primeira linha optavam direto pelo Brasil. Peguemos o caso do Viola, que não se acostumou à Espanha porque não tinha feijão. Nunca se duvidou da capacidade técnica dele, e sim da questão de adaptação, que foi o grande temor dos europeus. Se o atleta já está lá em condições o valor dele aumenta - afirmou Fernando, que ainda citou exemplos práticos.
- Para um time médio vir buscar um jogador de destaque terá que pagar muito caro a partir de agora. Não compensa para ele, pois o ganho na revenda não é tão significativo. Uma coisa é comprar o David Luiz por € 800 mil e vender por € 20 milhões. Outra já é comprar por € 10 milhões. Os clubes chamados de top são obrigados a virem para cá e cada vez mais o Brasil irá negociar com o topo da cadeira alimentar, com os bichos que mandam no futebol.
Se os médios já não o fazem com tamanha frequência, os "novos ricos" têm aproveitado a oportunidade para crescerem. E é apenas o começo.
- Os novos ricos precisam despejar dinheiro, pois não têm tradição. E quando não tem tradição você tem que gastar, comprar prestígio. Isso que o Chelsea fez, o Manchester City fez e o PSG e Zenit estão fazendo. E quando precisa comprar tradição tem que pagar um prêmio. Avaliamos (na Pluri Consultoria) o Hulk por € 39 milhões. Quando pagam € 55 milhões não acho uma surpresa. Pagam o ágio de 40% sobre o valor considerado normal. Não podem pagar o preço de tabela, digamos. Afinal, vai teoricamente para um campeonato que menos gente irá ver, onde perderá valor futuro de mercado. Os clubes não são burros, não são idiotas, querem é entrar no mercado. Do contrário, não serão levados a sério - avaliou Fernando.
Fair Play Financeiro é a solução?
A linha entre investir e o ilegal, no entanto, é tênue. Não à toa a Uefa anunciou no último ano a criação do Fair Play Financeiro, que visa punir aqueles que não se adequarem às novas regras de controle. A ideia é simples: impedir gastos maiores que as receitas - e entrará na prática a partir da próxima temporada, inclusive com afastamento de competições europeias. Complexo mesmo será fiscalizar.
- O Fair Play já foi burlado por alguns clubes. É a saída para todos os problemas, inclusive no Brasil. Tanto Manchester City quanto o Chelsea estariam em desacordo pelos déficits, pois os seus donos fazem o que chamamos de soft-loan (empréstimo suave numa tradução literal). O clube está endividado e o magnata vai lá e injeta 200, 300 milhões para calibrar as finanças. Demonstra fortaleza que não tem operacionalmente, mas tem um cara bilionário para ajudar. O objetivo dele não é ter lucro, e sim transformar clubes pequenos/médios em gigantes. O United, Barcelona e Real Madrid também gastam muito, mas têm um modelo de negócio mais equilibrado, a conta fica perto de fechar. E em outros casos é completamente deturpado. A Uefa faz um trabalho fantástico, mas verdade seja dita: eles vão conseguir driblar. O saco de dinheiro não tem fundo - declarou Amir Somoggi, consultor de marketing e gestor esportivo, que citou o Botafogo como um hipotético modelo de "novo rico".
- Imagine se o Eike Batista, botafoguense, resolve investir e contratar Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar. O que seriam R$ 500 milhões para ele, por exemplo? Nada. Aí o Botafogo é campeão brasileiro, do mundo, se globaliza e vai faturar. Mas nunca vai voltar esse dinheiro para o investidor. É o caso do Chelsea, City, PSG, Zenit... A Uefa percebeu e resolveu criar o Fair Play Finaiceiro - encerrou.
Ingleses em alta
Com o auxílio justamente de Chelsea e Manchester City, a Premier League foi o protagonista do mercado. Ao todo, € 624,1 milhões foram despejados por clubes ingleses em dezenas de reforços, enquanto o segundo lugar coube à Itália, bem distante, com € 380,1 milhões. A tabela se inverte quando o assunto é quem mais faturou em vendas. Italianos receberam € 392,4 milhões, contra € 301,1 milhões da Inglaterra.
- A Inglaterra ainda é o mercado, o futebol mais caro do mundo, onde estão os melhores contratos de televisão e o dinheiro é melhor distribuído. A diferença é muito pequena entre o que o 1º e o 20º ganham. Além disso, a Premier League é hoje o campeonato que atrai os mecenas do futebol - disse Marcos Motta, que não prevê bons dias para o futebol italiano.
- A Itália terá dois anos onde os torcedores deverão esperar muito pouco. Há uma crise institucional por conta do escândalo de compras de jogos, os donos de clubes são empresários e estão claramente afetados pela economia e por aí vai. Estão todos no vermelho, e se você ainda tem empresas de comunicação, petróleo... É óbvio que vai parar de investir primeiro no futebol. Milan e Inter, por exemplo, não têm perspectiva. A Itália será um mercado vendedor nos próximos dois, três anos. De ajuste. O Milan sempre foi comprador, nunca vendedor. Precisava renovar o time e fez caixa.
Na contramão de quem saiu, um nome especial também foi manchete. Mas por sua permanência. Após longa novela envolvendo inclusive o Milan, seu ex-clube, o meia brasileiro permaneceu no Real Madrid até mesmo sob boatos de uma crise com o técnico José Mourinho. Outros jogadores menos renomados, como Ricardo Carvalho (Real Madrid), Florent Malouda (Chelsea) e Kolo Touré (Manchester City) também contrariaram os rumores e permaneceram.
José Mourinho e Kaká: brasileiro contrariou expectativas e seguiu no Real Madrid (Foto: Reuters)
Fonte: Globoesporte.com
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